quarta-feira, 20 de setembro de 2017

A Palanca de Pedra - O Marco de Reconhecimento da Fronteira do Império


Por: Cássio Lopes

Assim como no poema de Carlos Drummond de Andrade, temos, em nossa cidade, uma pedra na esquina da avenida General Osório com a rua Dr. Penna, que, além de despertar a curiosidade, transformou-se num mistério ao longo dos anos.
Bagé ainda era uma vila e, já na primeira metade do Século XIX, ocorreram quatro estremecimentos e conflitos internacionais que a atingiram: em 1801, a tomada pelos portugueses de boa parte do Rio Grande do Sul que, pelo Tratado de Santo Ildefonso (1777), era ocupado pelos espanhóis; entre 1811/1812, a intervenção de Dom Diogo de Souza na Banda Oriental, inserindo-se, aqui, a fundação de Bagé (17 de julho de 1811); entre 1816/1820, as campanhas contra José Gervásio Artigas e, culminando, entre 1825/1828, com a Guerra Cisplatina e, nela, a invasão argentina no Brasil. Sem contar os graves reflexos advindos da chamada ‘Guerra Grande’, no Uruguai, entre 1843/1851, que irá findar depois de Oribe refugiar-se em Buenos Aires e os brasileiros aliarem-se aos ‘colorados’.
O Império brasileiro além de marcar seu território, por estratégia política e militar, deveria cercar-se dos meios de proteger sua população, embora, desde 1819, a fronteira estivesse estabelecida para com a Banda Oriental e ajustada em vários momentos seguintes até 1862, com a colocação do último marco na dita ‘Ilha Brasileira’ no rio Uruguai.
Referimo-nos à medição de limites com o Uruguai, para que não se confunda com o reconhecimento de território. É que, em 20 de novembro de 1848, o Ministério dos Negócios do Império, através de José da Costa Carvalho (o Visconde de Mont’alegre), manda Cândido Baptista de Oliveira, gaúcho nascido em Porto Alegre, proceder “...ao reconhecimento topográfico dos mais importantes pontos da fronteira da Província de São Pedro entre o oceano e o Rio Uruguai...”. No mesmo momento, nomeado o capitão-tenente da Marinha, Joaquim Raymundo Delamare (ou de Lamare), para auxiliá-lo na tarefa.
Por meio de observações astronômicas passaram a realizar medições para acharem as coordenadas médias dessa vila, assim como fizeram noutros pontos da província. Esses observadores vieram de Jaguarão, atravessando as coxilhas, rios e arroios.
Tendo Cândido Oliveira escrito uma obra em forma de "memória" que intitulou “Reconhecimento topográfico da fronteira do Império, na Província de S. Pedro”, editada no Rio de Janeiro em 1850, ali registrou: “Em um local mui próximo da Igreja Matriz de Bagé, fizeram-se as observações precisas para determinar a posição geográfica da vila”. O conselheiro Cândido Oliveira e sua comissão de observação ficaram na nossa vila até 10 de março de 1849, quando saiu “escoltado por seis praças do 2º Regimento de Cavalaria, sob o comando do tenente Antero de Oliveira Fagundes... com destino à Vila de S. Gabriel...”.
O tenente-coronel Manoel Luis Osório, nesse ano, no lugar ‘Tapera de Trilha’, em São Gabriel, não só soube do propósito do conselheiro do Império, como lhe forneceu os meios logísticos para seguir viagem. A história ainda dirá que os dois foram amigos cordiais, a ponto de Osório, em 1859, na viagem à capital do Império, Rio de Janeiro, hospedar-se em sua casa.

Palanca de Pedra - Bagé - RS - Brasil

Dita comissão de reconhecimento da fronteira do Império, chegou a Bagé no dia 6 de março de 1849. Após também visitar Cachoeira, Rio Pardo e Triunfo, chega a Porto Alegre, onde dá por encerrado o intento sem alcançar o objetivo maior, que era traçar os pontos geográficos até o rio Uruguai, no extremo oeste desta província, como a seguir transcrevemos.
No mesmo apontamento de sua obra, Cândido Oliveira confessa: “Não havendo prosseguido no reconhecimento topográfico da fronteira, além da Vila de Bagé, pelos motivos expostos ao Excelentíssimo senhor ministro dos Negócios do Império; devo por aqui termo a primeira parte da presente memória". Datado de 10 de janeiro de 1850, o documento é endereçado ao mesmo Ministério dos Negócios do Império, na pessoa de José da Costa Carvalho, o Visconde de Mont’alegre, que outrora lhe deu essa missão:
“Pela leitura desta memória será V. Ex. circunstanciadamente informado acerca do que diz respeito à parte da fronteira, que vai do Oceano até as cabeceiras do Rio Negro, na vizinhança da Vila de Bagé: não havendo eu prosseguido no reconhecimento da outra parte da dita fronteira, que termina no Uruguai [o rio], em razão de não me chegarem a tempo as ordens, que esperava da Repartição da Guerra, para que o presidente da Província de S. Pedro me prestasse os auxílios de que carecia, para levar a efeito esse desígnio, visto haver-se ele negado a satisfazer as requisições que lhe fizera a tal respeito, como em tempo competente informei a vossa excelência”.
O tenente-coronel Osório, como frisamos, amigo do Conselheiro Cândido Oliveira, fora deputado provincial eleito em 1846. Além de militar, portanto, é sabedor das necessidades estratégicas da província e, quando reescalado de São Gabriel para Bagé, em julho de 1850, com seu regimento, confronta-se com uma situação geral de pé de guerra. Em Bagé, dito regimento de Osório, ficaria até 28 de março de 1851, quando então retorna a São Gabriel.
Porém, não devemos esquecer as “Califórnias de Chico Pedro”, apelido de Francisco Pedro de Abreu, o ‘Barão do Jacuí’, o mesmo “Moringue” da Revolução Farroupilha, que em 26 de dezembro de 1849 conclamou uma reação àquela ameaça fronteiriça, findada em abril de 1850. Osório, por sua vez, tinha saído ao encalce de Chico Pedro e seus apoiadores na fronteira de Bagé até o acordo com o novo presidente da Província de São Pedro, José Antônio Pimenta Bueno, que em 7 de maio de 1850 comunicou a pacificação às demais províncias do Império.
Não encontramos ocasião mais propícia ao assentamento do marco de pedra, senão nesse período de Osório em Bagé, compreendido entre julho de 1850 e março de 1851, em homenagem ao amigo Conselheiro Cândido Baptista de Oliveira ou atendendo a sugestão, justamente ali onde os trabalhos de reconhecimento da fronteira do Império foram suspensos, já que tomaram o retorno sem ultrapassar o rio Negro.
Passados tão somente três anos dessa visita científica à Bagé, o Império do Brasil atingia seu apogeu, coincidindo com a valorosa Batalha dos Santos Lugares ou Monte Caseros, nos arredores de Buenos Aires, em 3 de fevereiro de 1852, fato que pôs fim à guerra contra Oribe e Rosas, permitindo ao Uruguai e Argentina livrarem-se dos dois ditadores.
Os comentários acima são importantes, já que entre o término das “Califórnias” de Chico Pedro e essa marcha internacional contra Oribe e Rosas, encontra-se em Bagé o ambiente oportuno para erguer-se dito marco de pedra, ou melhor dizendo: "O Marco Desconhecido do Reconhecimento da Fronteira do Império", como abordamos no livro A Rainha da Fronteira- Fragmentos da História de Bagé. Talvez mais uma façanha do já legendário Manoel Luís Osório.

*Coautoria deste texto: Edgard Lopes Lucas
Livro: Rainha da Fronteira - Fragmentos da História de Bagé, 2015
Artigos publicado no Jornal Folha do Sul - Bagé - RS em 9.07.2016 e 16.07.2017

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