sábado, 31 de julho de 2010

Retratos antigos, proposta moderna


É bem de Bagé. Essa falsa paradia, que, de repente, se rompe, para que surja uma fogueira de sensibilidade inesperada e que vinha, há muito, em lenta e cuidadosa construção coletiva. Aqui o silêncio é sempre construtor embora não tenha prazos.
A gente se belisca e pensa: será verdade? Estamos em Bagé, nessa cidadezinha charmosa de beiral de continente, com ar castelhano, contida e minada de história, com nome de Rainha ou no centro cultural de Montevidéo ou POA ?
Foi o que todos, temos certeza, perguntaram nessa gélida noite de 13 de julho diante da mostra de Retratos Antigos, na Casa de Cultura .Uma mostra de ficar em nossos melhores registros, como ficaram tantas outras nessa Casa
RETRATOS ANTIGOS inova a proposta de edições a que se propõe o Núcleo de Pesquisas Históricas Tarcísio Taborda. Pega a linguagem instigante e contemporânea da fotografia repropõe a história de época em suportes novos(esses banners que nem pedaços móveis de paredes) e dá de comer à alma, a beleza e a história.
Tudo é delicado nessa Mostra.Tudo é intocável porque pertence à dimensão irreversível do passado. Mas tudo é referência e ponto de partida...E os olhares dos visitantes poderão ser contemplativos ou críticos, poderão recriar ou celebrar, conforme entrarem em comunhão,ou não, com aquela alma que está ali pulsando atrás de cada fato...Então a história começa a se mover e a ser tecida pela trama das mil contemplações sempre chegando.
Os textos, ao lado das fotos, fotografam a emoção da alma debruçados sobre a imagem. Ardidos, líricos, amorosos, questionadores e críticos.
Heloisa Beckman, como coordenadora do Núcleo, e Maria Luisa Pêgas como sua assessora tecnica, brilharam. Carmem Barros como sempre assinalou presença na mais sensível justificativa.A leitura dramática nas vozes de Marilu e Sapiran, reconhecida força poética, fizeram com que cada foto deslizasse dentro de nós e se incorporasse a um recanto da alma, e os tempos fossem se ligando e já nem soubéssemos se pertencíamos ao século 21 ou aos inícios do século passado, ao final do momento. Havia o clima denso e envolvente das grandes nostalgias e a instigante curiosidade do não vivido. As fotos eram iluminadas, uma a uma, conforme a leitura dos textos ,e uma procissão de olhares ia acompanhando a caminhada poética. Momento estético e afetivo de dignificar a história de Bagé. Lá estavam, nas fotos, as mulheres e os homens de Bagé em grupos ou bandos comemorativos ou não, solenizados ou não, as famílias, as mães com seus filhos ou sozinhas, as figuras que inovaram, também os revolucionários e os pobres, esses ausentes e presentes dentro da vida e da arte. A história de um tempo, as relações de poder na moda, na postura e composição da cena, os afetos, o tempo da repressão e da gentileza, do disfarce, o tempo da alegria e da guerra, as contradições e as consagrações(Para mim foi demais sensibilizador, ver ali minha mãe com 18 anos, uma das primeiras mulheres a dirigirem carro nesta cidade).
A mostra passa a ser uma encantadora fonte de pesquisa histórica, um forte subsídio e uma provocação dentro dessa ótica contemporânea em que a imagem comanda a cena do mundo. Afinal há muito que explorar e muito que perguntar a partir dela: o que perdemos ou ganhamos nesses 200 anos?No que evoluímos e no que regredimos, nós resistentes seres fronteiriços ?
Pois é. Não esqueceremos o momento de sua inauguração. Um luxo para alma e uma experiência de calor espiritual e beleza se contrapondo, de forma absoluta, à névoa lá fora, na rua 7...Quase que, na saída da Casa de Cultura, buscamos, com o olhar, a torre do antigo Mercado para segurar e estender a memória e o seu passo.

Elvira Nascimento (Mercinha).

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